Mais

Tratá-las bem, saboreá-las...

Torná-las próprias como uma pele.

Sensações, emoções.

E com um sorriso dizer:

Um caso amoroso com as palavras.

Poema

Habita-me o poema dos dias.

Irrepetível.

Cordas

A lenta caminhada pela ruela da aldeia permitia a percepção de um passado há muito abandonado: janelas partidas, memórias esventradas nas paredes ruidas, cortinas amarelecidas e esfarrapadas.

Arrancada do torpor sensorial das memórias alheias, viu-se, naquele momento, regressada ao presente. E esse presente resumia-se à inesperada guardadora do rebanho de cabras, aos balidos das crias, ao cheiro acre característico destes animais e à estranha musicalidade dos cascos no disforme empedrado do caminho. Passaram vagarosamente, deixando um rasto de dejectos semelhantes a caroços de azeitonas.

Permaneceu encostada ao muro até ao regresso do silêncio e retomou a caminhada, ainda com o pensamento pousado na mulher pastora de rosto marcado e entristecido, pele tisnada, cabelo curto e áspero, mãos gretadas e calejadas, as unhas lascadas: que opções lhe teriam sido mostradas pela vida? Escolheu ou foi empurrada? Ou...

Segue o pensamento por um lado e o olhar por outro, até encontrar uma corda entrelaçada num ferro cravado no granito: o tempo em abandono. Belo. Sentiu o momento como um pedaço de arte esquecida. Aproximou-se para apreciar e um abismo inesperado abriu-se à sua frente. Um pormenor. Aquele pormenor...

Lera algures, que a Arte poderia ser comparada a uma longa corda entrelaçada que resgatava quem estivesse afundado em profundos abismos pessoais, sociais... mas aquele momento fê-la vacilar com tristeza: encontrara o abismo de alguém...

(nota ao pormenor atrás da corda)

Dias

Corrente lenta.

Reflexos fantasmagóricos.

Seres minúsculos

nos dias de espuma,

ou na espuma dos dias.

Haja imaginação...

Na estrada

Lugares interiores da estrada.

Sem medida

Entre os dias que não se medem...

Pelo chão

Estendem-se com vagar,

alongando ramagens na descoberta de novos lugares.

Aconchego

As coisas belas que existem,

escondem-se.

Entre serra e penhascos

um feto verde e luxuriante,

encastrado na terra,

sobressalta-me o olhar...

Fresta

Espreitam emoções.

Len ta men te

Corações

Sobreponho as emoções dos corações que me habitam.

Palpitam.

Aguardo...

Hera

Uma hera imaginária

Erigida em mil dias contados.

Folhas que ficam presas

Nas emoções cruzadas,

Ou que são cantos em rios de vida.

Das que escritas com luz

Tatuam-se no lado esquerdo

Em permanente pulsar.

Alguma cairá

E de memórias

A página do livro marcará.

Assim

Houve vidas assim, suspensas

Apagadas.

Há vidas assim, aprisionadas

Silenciadas.

Haverá vidas assim, alinhadas

Escondidas.

E há quem avance na contradição dos dias...

Solta

Vento que agita

Vento que inquieta

Incerta viagem

Treme...

Larga o último elo

Içada, esvoaça

Parque de diversões

Sem gargalhadas.

Não chegou muito longe

No passeio, abandonou-se

Amachucada.

Segue gente, indiferente

Passos abrandam, uma imagem

Novo voo, outro lugar.

Memória nas páginas de um livro...

Sentidos

Unicamente o êxtase e a dormência dos sentidos.

Letras

Um castelo erguido de palavras

Esculpido letra sobre letra...

Da clausura libertas,

As vozes, imensas.

Ao longe admira-se,

Apenas pedras e janelas

Sem portões a transpor...

Um dia, festa no interior.

Árvores, pontes, rio,

Vida acima do casario

Folhas soltas,

Ponto final.

Belo

A beleza das coisas poderosas e inexprimíveis.

Passado

O passado acumula-se,

as camadas sucedem-se.

Tudo o que era

transformou-se,

e deixou de ser.

Por ali fica, preso...

Eu que muda.

Eu que fica.

Eu de espanto

no espaço presente.

As sensações proliferam

no tempo do visível,

maná de pensamentos vivos.

Margem

De uma margem à outra,

Perde-se o tempo no leito,

Vagaroso...

Da caminhada

Os recantos escondidos e a luz que os descobre...

Tardes

A inclinação da tarde desenha soslaios de sombras

e o tempo esvai-se, silencioso...

Tempo

Para onde vai o tempo que avança?

Portas

Entre portas e reflexos, a rua...

Em comum, vidas passadas.

Pequena pausa e o voo continua.

No caminho

A colossal beleza das coisas ínfimas...

E que mais o pode ser?

Passos

Um vislumbre alegre dos primeiros passos.

Uma jornada que não foi fácil.

As palavras ficam para mais tarde.

Efémera

Sabemo-la que é.

Contornamos a evidência, brincamos às escondidas.

De repente, um clique.

Da vida para a morte, as memórias.

Imensas.

Já com saudades, G.

Apenas

Uma imagem que expressa indefinição, dúvida, desconfiança, desconforto, questionamento.

Lugares

Estática e enfeitiçada,

fixa o olhar,

inebriada pelo ruído:

melodia de liberdade.

Degraus

Um degrau.

Dois... e muitos mais.

Subir e descer.

Passos de ontem e hoje...

Esperar.

Entender(-me) às vezes é isto,

(saber) esperar.

Sala

Vazia já é arte,

iluminada, absoluta beleza.

O todo é um lugar deslumbrante,

outras salas permitem inúmeras viagens.

Já fiz algumas...

Um beijo cartografado foi a primeira.

A esperança é

... a última a morrer, dizem.

Lugares onde a esperança cresce imparável.

Haverá um dia em que o interior que foi luz,

sufocará no silêncio das paredes vazias

e nas sombras que no chão tombaram...

A Mãe e o dia

Consagrado foi o dia.

Celebrado, anoiteceu...

E amanhã?

Os dias das mães não cessam,

são pétalas em constante crescimento e renovação...