domingo, 16 de junho de 2024

O Recuar das Águas

O Recuar das Águas, é o quinto e mais recente livro de Mónia Camacho, editado pela Nova Mymosa.





A invenção entretém a morte.
Assim começam o livro. As personagens surgem em catadupa, alegres, coloridas, com sentido de humor. Vão deixando um rasto de ternura, de empatia.

Deparo-me com diálogos e momentos divertidos onde vai surgindo o mote da narrativa: os idosos e as suas dificuldades, a necessidade que têm de comunicar e de ter quem os escute, apoie e esclareça, de sentirem que são úteis e não um peso para a família e amigos, de saberem que podem amar e serem amados; de serem vaidosos se assim quiserem; subtilmente é abordada a importância das relações intergeracionais, de como podem influenciar e beneficiar a saúde física e, principalmente, mental dos mais idosos.

Mas nada disto é evidente no imediato, descubro conforme prossigo na leitura: um coro de velhotas animadas, faladoras, cheias de ideias e até manhas. Irónicas. Encontros, relacionamentos, amizades, cumplicidades. Fascínio.

A idade é um contra-senso, escreve a certa altura. A vontade de contrariar o estado actual é grande e o equilíbrio será possível se, em larga medida, houver abertura e movimentos nesse sentido. É possivel... Está a acontecer…

A escrita da Mónia tem a poesia sempre presente, é um cunho muito pessoal e característico, há musicalidade nas frases que reinventa, há subtis referências cinéfilas. Procura o imprevisto e ele acontece; a Mónia ousa e tem tesão ao escrever. Não é apenas com este livro, é com toda a obra que lhe conheço e que tem criado até hoje.


Frases que sublinhei:

Não saber faz parte de estar vivo.

As máquinas mentem?

E os dias não paravam a ver montras.

Ainda mais difíceis agora que era velha. E embora já o fosse há algum tempo, ainda não se habituara.

Vais ter um desconhecido a viver contigo com a tua idade?

O que é que importa? Sempre me faz companhia.

Mas todos sabemos que o recuar das águas traz sempre uma fúria maior logo a seguir.

A velha era tudo o que as velhas não são.

Talvez fosse para isso que ali estava. Para lhe vigiar o tempo que faltava.

- Vê se não morres já, que a Luzia vai passar cá amanhã.






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