Naquele acordar, sem proferir palavras ou restolhar qualquer som, esgueirou-se e saiu mais cedo. O silêncio e um resto de noite ainda espalhado no céu eram seus cúmplices. O dourado labrador, dando pela presença conhecida, nem se mexeu. Já era hábito. Não estranhava, nem sequer quando saltava o muro, estando o portão apenas encostado. Rangia e isso alteraria a fuga. Pelo caminho foi largando folhas, que ia arrancando uma a uma de si, folhas brancas, algumas com uma só palavra, várias ilegíveis, outras tantas doridas, amarrotadas. Os bolsos fundos abarrotados foram ficando lentamente vazios, onde unicamente as mãos passaram a ter lugar. Caminhava de cabeça baixa. O vento passava-lhe adiante, brincalhão e levantava uma fina poeira... se antes era razão para correr atrás dele, há muito deixou de importar-se com as reviengas do vento, até com aquelas provenientes dos mais diversos imprevistos. A estrada de terra perdia-se na curva e as pegadas no pó seguiram para lá dela, apagando-se o olhar de quem, na silhueta esbatida, esperasse ver algum rasgo de esperança...
Andara todo o dia em percursos entre florestas e campos abertos. Cansara-se. E nada encontrou. Nem vontade, diversão ou inspiração. Reinava o vazio. Escurecera.
A margem do seu mundo de água estava colmatada com destroços, revelando que a intempérie fora devastadora. Ultrapassou-os. Do outro lado, em língua de areia recente, um enorme ramo arqueado, preso, abandonara-se à sorte... a sua turbulenta viagem terminara. Certamente alguém iria, em breve, levá-lo para servir de lenha no ainda recente mas duro Inverno. O céu carregado não permitia enganos, a chuva aproximava-se, sentia-lhe o cheiro e percepcionava a sua vibração no ar, contudo a luz incandescente do ocaso envolvia o ramo e de repente a sua beleza foi encontrada, sendo o seu destino alterado. Arrancou-o do areal e passando-o na água, removeu a areia e fiapos agarrados. Com alguma dificuldade e protegendo-lhe os ramos menores, conseguiu arrastá-lo pelo caminho de regresso. Parava de onde a onde e as folhas brancas retornavam ao lugar que tiveram da manhã, os bolsos, que voltaram a ficar repletos.
Abriu o irritante e rangente portão, fazendo passar o ramo, sem partir qualquer galho. Pela primeira vez naquele dia sorriu: o seu poema estava salvo. O ramo, momentaneamente pousado no alpendre, admirou-se, onde estaria? De volta com uma escova, sacudiu e limpou qualquer resíduo do ramo até ficar como queria. Tinha a seu lado um cesto cheio de pequeninas e coloridas molas de madeira.
Aos poucos as folhas escritas foram saindo dos bolsos e enchendo os pequenos galhos... mesmo as folhas brancas deixaram de sê-lo. As palavras acorriam em catadupa e rapidamente um poema ficou visualmente escrito... o que antes fora despojos e despejos de tempestade, transformara-se em algo diferente e belo, no recanto de um alpendre que deixou de estar vazio.
Belo texto, bela foto. Combinação perfeita.
ResponderEliminarObrigada, Helena :)))))
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