quarta-feira, 15 de abril de 2020

A espiral dourada e o Feiticeiro de Oz

Do meu jeito peculiar e tantas vezes fora da caixa como costumo dizer, não seguindo correntes e contrariando-as, fugindo até, não tenho formalismos nem sequer formação técnica, o que faço em fotografia segue muito o que sinto, o que sei, aquilo que o meu instinto capta e transforma em momentos. Inspiro-me e respiro o que me rodeia. 

A escrita que afinal sempre viveu em mim, mas que esteve adormecida, foi ressurgindo com a fotografia e aos poucos vejo-me numa simbiose criativa que inicialmente me espantava, mas que agora tem uma razoável dimensão interpretativa. Agrada-me esta faceta. Sinto-me bem e confortavelmente à vontade. 

Por vezes uma fotografia fica latente durante uns tempos, sem um motivo especial, sabendo apenas que terá um outro valor ao juntar-lhe um texto, quer seja ele meu ou a correspondência de um proveniente de um projecto de que faço parte e do qual me orgulho muito.








A foto que está a servir de mote para este texto é uma das tais. Quem me acompanhava neste dia, terá certamente pensado, ou não, “Está maluquinha, ali o que pode estar a fotografar e mais naquela posição… ora, fotógrafos!”. Na verdade, nem eu sabia muito bem, apenas o instinto sussurrava: acredita.

Dois meses volvidos e a foto encontra o caminho da luz… uma espiral de pensamentos que foram desinquietados por uma música de um grupo espanhol recentemente descoberto e que hoje cravou o estilete desafiante. Os “Vetusta Morla” que cantam Baldosas Amarillas, levaram-me a vaguear um pouco para aqueles pensamentos filosóficos e nada lineares… misturaram-se espirais douradas, a composição áurea, artistas, pintores, escritores, fotógrafos e de repente surge um livro, o seu respectivo filme e as minhas ideias encantadoramente malucas.

Como tudo se quer direitinho com uma explicação, com um alinhamento, com um guião…aviso desde já, tenho pena, mas não uso nada disso. As coisas surgem, acontecem e se há alguém superior a mexer cordelinhos como marionetas que somos, ou então a jogar dados com os nossos destinos, pouco me importa… há uma expressão fantástica, porém é inapropriada para este momento.

Em “O Feiticeiro de Oz” lembro-me que Dorothy tem como ponto de partida uma estrada de tijolos amarelos, uma linha de ouro para uma vida, para um sonho, para um projecto. Não, não vou escrever sobre o que se lê ou se quer ler nas entrelinhas, isso fica para os entendidos, apenas será sobre o que sinto, o que ficou da leitura e do filme e que a foto avivou. 

A espiral de ouro que move e rege a arte na procura da perfeição tem como foco principal uma imagem e consoante a espiral vai sendo desenrolada, desenvolvida, percorrida, todo um leque de itens, objectos, pessoas, aparecem e vão preenchendo essa imagem formando, compondo até a obtenção de um todo final. E se a imagem for uma vida? A nossa própria vida?

Somos um ponto gerado e somos depois colocados num outro a partir do qual crescemos, caminhamos, evoluímos, construímos, estudamos, trabalhamos, vivemos, desconstruímos mitos, realizamos sonhos, ou tentamos realizá-los, criamos laços, estruturamos vivências e depois destruímos, porque não? Ao longo desse percurso que só pode ser nosso, recebemos apoios, incentivos, ferramentas. Contudo, apenas depende de nós o querermos seguir nesse trilho. Podemos ter um mentor, um conselheiro, um amigo, alguém que dá o suporte ao que se pretende fazer, sendo unicamente esse o seu papel. Mostrar possibilidades, conjecturar, espicaçar, desafiar, tudo isso é necessário e importante. Essencial. Mas volto a referir que o caminho deve ser nosso e percorrê-lo far-nos-á chegar onde quisermos.

Desenrolamos a espiral e da mesma forma que Dorothy foi sendo acompanhada e apoiada pelas personagens que foram aparecendo, cada uma representando características humanas e que poderiam ser obstáculos se não soubesse lidar com elas, também nós temos o espantalho, o homem de lata e o leão, isto é, as crenças, os desafectos e o medo.

Precisamos acreditar, o cerne para o objectivo que traçamos está aqui. Acreditar no que queremos, afastar o que de negativo fere e influencia a nossa forma de pensar. Quantas vezes a educação que tivemos é limitadora e, por vezes castradora, no sentido em que nos foram incutidos valores e crenças que ao longo deste percurso de vida foram abandonados e que não mais nos servem, como uma roupa que deixa de servir pelas mais diversas razões. A mentalidade é o nosso ponto fraco mas também aquele que nos faz avançar em força e alargando, não só a espiral que percorremos, como também a maneira de encarar o que nos rodeia com liberdade pensante.

Para progredir, o afecto e o apoio são primordiais, reforçam o objectivo, alimentam-no. Sendo que no campo artístico a perseverança e a criatividade andam lado a lado, mas que em nada resulta se a ausência de afectividade for latente. Tantos sonhos se apagam no som das palavras Isto não é para ti… ou Tu não és capaz! E aqui estão os amigos, os conhecidos, os mentores, aqueles que acreditam e afagam. Aqueles que incentivam e abraçam… com palavras e gestos.

E quando em determinado momento da caminhada é o medo que surge e paralisa. O pânico de falhar. Não há voz que cale a nossa quando revela um medo profundo, emudecido… o medo de sermos julgados, do fracasso. O pânico do poder crítico, arrasador. Medo de quem espreita à esquina aguardando pela queda. A nossa queda na travessia de águas agitadas: Enganados, como estão enganados! Resistência e resiliência. Tropeçar, erguer e seguir!

Espiral percorrida e desenrolada, enriquecida e validada, imperfeita na sua beleza, tem à sua porta as adversidades momentâneas, variantes não controladas que podem fazer perigar o que até aqui foi conseguido. A resistência é palavra de ordem. A generosidade uma benesse, dar sem nada receber e sem nada esperar. De conhecidos. E surpreendente quando vindo de desconhecidos.

E o que somos hoje nesta espiral dourada de vida? A soma de todos os momentos, pessoas, sonhos, essências que permitem afirmar em voz audível e serena: Estou a ser o que quero ser.


(texto de 22.07.2019)