quinta-feira, 23 de abril de 2020

Morrer de pé...


Saíra cedo naquela manhã. O voo esperava-a. Queria reviver no silêncio das suas ruas os momentos que meses antes tivera com Omar. 
Naquela tarde longínqua na cidade de Roma, deixara o trabalho no escritório para caminhar um pouco. Estava saturada. Irritada. As pessoas professam uma única religião, a do próprio bem-estar. Lançam as suas preces e oram aos seus deuses sem qualquer sentimento ou fé. Ocas. Vazias. Desilusão. 
Deu por si numa ruela sem saída, que desembocava num largo. Solitária, aquela árvore despertou-lhe a atenção. Cada ramo isolado desenhando contornos despidos. Caminhou até ela… 
E do outro lado, sentado numa das raízes salientes, um homem. Parecia alto, moreno. Sério o rosto, triste o olhar. Pensou: O sorrir não mora ali. 
- Buon pomeriggio! - proferiu, não esperando resposta. 
- Boa tarde! - foi a resposta. 
Surpreendeu-se com o inesperado cumprimento em português. Sorriu. E durante longos meses continuou a sorrir e a brilhar. Andava feliz. O amor fizera milagres. 
A noite do telefonema fez desabar esse pequeno mundo que estava a construir. 
Omar tivera que ir ao país natal. Assuntos de família. No regresso da aldeia e enquanto esperava na cidade por um táxi que o levasse ao aeroporto, não teve sequer tempo… 
Um bombista-suicida acabara com os seus sonhos. 

(…) 

Hoje sabe que, quando estiver novamente naquele largo, abrirá os braços e num sussurro confidente, estas palavras dirá: 

“Armo à minha volta um escudo e resguardo-me com uma frase que a memória me traz: «Morta por dentro, mas de pé, de pé como as árvores.»”






(texto de 05.12.2018)


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