segunda-feira, 27 de abril de 2020

O jantar


Tinham saído todas juntas, finalmente. Demorou a agendar aquele encontro. Foram colegas de faculdade no início e a amizade cresceu entre aquelas seis amigas ao longo dos anos de estudo. 
Concluídos os cursos, cada uma seguiu um percurso diferente, contudo mantendo os contactos. As redes sociais deram uma grande ajuda. 
Seguiram os seus percursos profissionais, casaram. Algumas já eram mães. Daí a dificuldade de agenda.
Na casa dos 30, todas elegantes e bonitas. Quem parasse e olhasse para este grupo de mulheres, veria que cada uma tinha a sua beleza própria e não se descaracterizaram do que tinham sido. Notava-se sim evolução pessoal. 
Estavam reunidas, falavam rapidamente, riam alto; parecia que se tinham afastado apenas na véspera e que não eram dez anos de separação presencial. 
No meio da conversa efusiva a seis vozes, em que lembravam noites longas, livros e estudos, noites de diversão, amigos idos e desaparecidos, serenatas, latadas e queimas, há uma voz trémula que incrivelmente se sobrepõe: 
- Por vezes sinto que a minha vida é um sonho. E não quero acordar. 
Foi a Matilde a falar. Olharam-na, caladas, à espera de continuação. A Matilde era a que estava com uma vida melhor, muito mais estável, dois filhos lindos. Era sem dúvida a que estava melhor. Realizada. Fixam-lhe o olhar. 
E a Matilde, pálida, deixa entrever uma das olheiras mais escura que até ali o cabelo longo, negro azeviche, tapara. Estava disfarçada pela maquilhagem, mas notava-se. 
Silêncio absoluto. 
- A minha vida é um sonho e nele tenho de viver, porque se eu acordo, ponho termo à vida, ou pior, ponho à dele. 

(Nem sempre o que se vê fora de portas corresponde à verdade. E haverá verdades?)


(texto de 09.12.2018)

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